quinta-feira, 10 de junho de 2010

Análise a partir de conversas de Bate Papo sob o ponto de vista de Mattoso Câmara

RESUMO
Esse artigo parte da observação do uso da linguagem na internet, que adquire cada vez mais suas peculiaridades. A partir de tal observação, enxergam-se alguns traços que o lingüista brasileiro Joaquim Mattoso Câmara Jr. havia destacado após uma pesquisa que realizou no Rio de Janeiro em 1957. Fundamentada na teoria que Mattoso desenvolve e descreve em seu livro “Dispersos” após essa pesquisa, destacar-se-á neste artigo as características investigadas e as conclusões pontuadas a partir do corpus coletado.

INTRODUÇÃO
Mattoso Câmara inaugura uma nova perspectiva às investigações lingüísticas no Brasil. Sabemos que inicialmente, os estudos sobre linguagem nas décadas de 40, 50 e 60 firmavam-se na filologia e olhavam apenas para a língua portuguesa. Dessa forma, tais estudos se davam a partir de textos literários e críticas a estes, levando em consideração apenas a língua em sua modalidade escrita. Com o passar do tempo, Mattoso desvia totalmente seu foco da filologia, mas parte para um estudo mais amplo no tocante a linguagem como uma atividade inerente ao ser humano. Parte então, para uma visão que concerne à Lingüística Teórica, tornando seu estudo com o foco principal na linguagem oral. E é a partir da publicação dos Princípios de Mattoso Câmara que a Lingüística Teórica passa a ser vista como uma disciplina acadêmica e é lecionada pelo próprio Mattoso em um curso de Letras. Adotando um referencial teórico, que ainda era relativamente novo no país, Mattoso aplica os princípios do estruturalismo para realizar a descrição do português. Dessa forma, começa a distanciar-se da filologia e com seus ensaios sobre fonologia e morfologia, traz uma grande evolução para os estudos da língua. Com isso, é formada uma nova consciência lingüística nas pessoas, que passam a enxergá-la também sob a perspectiva oral.
Entende-se que essa consciência foi de grande valia à perspectiva lingüística. Isso porque as gramáticas escolares antecessoras além de não incluírem o estudo fonético no âmbito escolar, também focavam somente a língua escrita sem pensar em uma linguagem oral e cotidiana. E mesmo quando levavam o estudo fonético, faziam apenas uma pequena alusão à fonética utilizando a descrição e classificação das letras do alfabeto, que é uma maneira bem primitiva de passar os conhecimentos da língua oral.
Ao longo dos próximos anos, Mattoso só contribuiu com estudos mais aprofundados, firmando-se na fonologia, descrevendo os sons da fala sempre baseado em referencias do estruturalismo. Com a elaboração do Manual de Expressão oral e Escrita em 1952, Mattoso além de pontuar a diferença entre a língua oral e a língua escrita, também elabora uma espécie de manual para quem precisa escrever ou falar em público. Sua intenção ao elaborar esse manual era gerar uma forma mais consciente e eficaz no indivíduo falante em suas exposições orais.
A partir dessa grande preocupação com a realidade oral da língua, em 1957, Mattoso publica uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro com 62 crianças entre 11 e 13 anos, com o objetivo de “destacar os erros mais freqüentes e constantemente repetidos, como índice de tendências lingüísticas da língua coloquial culta, que nessas crianças está sedimentada como linguagem “transmitida” (Bally) no meio familiar” (CÂMARA Jr., 1957, p.88). E com a pesquisa, ele fundamenta que existe uma realidade oral que é viva entre os falantes daquela dada época e que podemos observar também, nos dias de hoje. Como resultado dessa pesquisa, Mattoso enumera treze traços fonéticos, três morfológicos e quatro sintáticos que marcavam uma tendência da língua coloquial no Rio de Janeiro.

CORPUS
Com o objetivo de observar a língua usada na internet, o corpus foi coletado a partir de uma “conversa” em um bate papo do site UOL. Esse site tem uma área que é destinada para este fim, em que as pessoas escolhem o tema e o apelido de sua preferência, entram em uma chamada sala para que, então, interajam com outros que escolherem essas mesmas salas. A intenção é dividir as pessoas que sejam mais ou menos da mesma faixa etária e que tenham os mesmos interesses. O tema escolhido foi o da Amizade e usei um apelido qualquer para observar como as pessoas utilizavam a língua num gênero que é por sua vez muito informal. A coleta do corpus ocorreu no dia 21 de abril de 2010.

TRAÇOS
Os traços fonéticos, morfológicos e sintáticos são traçados por Mattoso Câmara a partir da pesquisa que realizou no Rio de Janeiro. Como dito acima, por meio dessa pesquisa, o lingüista procurava destacar os erros que eram cometidos com freqüência na realidade oral das crianças, analisando uma prova feita pelas mesmas. Esses erros explicitariam, em sua concepção, uma tendência no modo de falar carioca. Isso se deve ao fato de que essas crianças apenas reproduzem o que aprendem no meio familiar e ainda que a escola transmita conhecimentos de ordem fonética, morfológica e sintática de acordo com a gramática normativa, os erros ainda se fazem presentes em seu falar e, consequentemente, em sua escrita. Cabe também lembrar que esta pesquisa foi realizada em uma escola situada na zona sul do Rio, por isso esse colégio é freqüentado por estudantes que detém de um poder aquisitivo maior. O resultado não seria o mesmo, se aplicado em uma escola pertencente a outra realidade, pois existe uma ampla estratificação lingüística na cidade.
Em relação à fonética, Mattoso destaca 13 traços que se destacam na forma com que as crianças expressam a sua língua na escrita. E em um capítulo de Dispersos, ele os destaca de maneira detalhada. Para exemplificar, faz-se um recorte de todos os exemplos apresentados e temos que existe uma freqüência na não acentuação de vocábulos; a dificuldade da distinção de quando se usa o acento grave em [a]; dificuldade da distinção do uso de [o] ou [u] e [i] ou [e]. Entre muitas outras observações.
Os traços morfológicos se resumem a 3, dos quais Mattoso explica como as crianças tem errado na colocação pronominal dos morfemas. E por meio disso tem construído lexemas que não estão de acordo com a gramática normativa. Como exemplos, destacam-se construções do tipo “descrever-mos” , “deixa-ra”.
E por fim, ele lista os 4 traços de natureza sintática que observou na escrita das crianças. Como exemplo, ele lista a maneira como a criança tem colocado o a partícula se integrada ao verbo e também como a colocação de próclise muitas vezes tem sido usada no começo da oração, de forma não condizente com as normas.
A intenção de Mattoso com essa documentação da pesquisa foi o de “documentar certas tendências coletivas da língua coloquial no Brasil,ou mais especialmente no Rio de Janeiro.” (CÂMARA, Jr., 1957, p.95)

ANÁLISE
À luz de toda essa problemática apontada por Mattoso, observou-se um corpus escrito presente em um bate papo da UOL. As peculiaridades desse domínio (bate papo) são que este é definitivamente um espaço informal de interação e o uso da língua é totalmente livre. As pessoas usam abreviação, maneiras bem diferentes da usual para escrever algumas palavras, e também, como essas conversas são rápidas e com pessoas desconhecidas, as construções das conversas são basicamente de perguntas para conhecer o outro. Concluo então, que existe uma nova maneira de usar a língua nesse espaço. Para uma pessoa leiga e iniciante a esse meio, pode parecer uma forma inteligível, porém se a mesma mantiver contato por um tempo, logo terá domínio sobre essa forma.
Percebe-se, que por o espaço ser informal, a maneira de escrever é quase igual à língua oral, que tem em si processos de variação que são totalmente normais em construções de fala. Dessa forma, há quase que uma reprodução da fala na escrita. Além disso, existem também construções com a grafia totalmente diferente da original, mas que por ser mais fácil de digitar, acabam prevalecendo na linguagem usada na internet.
Para concluir, exemplificarei esses traços apontados por Mattoso, o gênero em que fiz a verificação de tendências de escrita, mas que marcam consideravelmente e quase puramente a linguagem falada, foi um bate papo da internet no site da UOL. As observações iniciais são que como o espaço é informal e livre de regras, as pessoas usam a linguagem de maneira que lhe sejam mais rápida e eficiente para que possam interagir com o outro.
De todos os traços que Mattoso aponta em sua pesquisa, me atentarei à exemplificação que fazem referência à fonética.
Em (i) (06:13:48) lipe fala para Gehh!!!: ée , vai prefirir ele? ; (ii) (06:18:06) Gehh!!! fala para lipe: mi abandonou ; (iii) (06:15:31) Gehh!!! fala para lipe: to brincanduh eu num vou fala cum ele naum amorr , percebemos que ocorre a tendência, que segunda Mattoso, anula a oposição entre [e] e [i], e [o] e [u], realizando o arquifonema.
Em (i) (06:13:54) Gehh!!! fala para lipe: mais vou tc só contigu , ocorre a ditongação da vogal diante da consoante chiante na mesma sílaba, e também a ultracorreção do advérbio mas para mais.
Em (i) (06:18:05) lipe fala para Gehh!!!: me abandono mesmo?, percebe-se um traço de ordem sintática. Isso porque, a gramática normativa prescreve que orações não devem ser iniciadas com pronomes, fazendo com quem essa próclise esteja errada. Porém, no língua oral esse uso está cada vez mais recorrente.
Tendo em vista esses exemplos que retiramos do texto, vemos que ainda existem semelhanças nas formas que Mattoso propôs em 1957, porém algumas construções observadas na linguagem da internet não se encaixam em nenhum daqueles traços. Porém, não cabe aqui nesse artigo tentarmos explicitar tais erros e explicá-los, já que o objetivo é fazer um paralelo entre o corpus coletado e as considerações de Mattoso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CÂMARA Jr., J. M. Erros de escolares como sintomas de tendências lingüísticas no português do Rio de Janeiro. Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. Nova edição revista e ampliada. Rio de Janeiro, Lucerna, 2004. p. 87-95. Edição Original: 1957

UCHÔA, C. E. F. Mattoso Câmara e a Língua Oral. In: Estudos da Língua(gem) n.2. Vitória da Conquista: 2005. p.67-78.

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